quarta-feira, 30 de março de 2011

Tempos que não voltam mais


Escute, sinto a sua falta. Os dentes pequenos que não davam conta do chiclete ou do chocolate, que hoje são pequenos pra mim. As casinhas feitas com lençol sobre as cadeiras. Nossas filhas, todas loiras, geladas, mortas e ao mesmo tempo tão vivas e choronas. Nosso nome que mudava, nossa profissão, nossa idade... O cabelo preto no topo da cabeça ou partido em dois. O sorriso bobo pela simulação do casamento. As pinturas que eram nossas obras de arte.

Lembra quando a mamãe chorava na nossa apresentação de dia das mães na escola? E quando o papai nos fazia cócegas com a barba ou nos enchia de beijinhos? Ah, minha pequena, lembra daquela casinha de boneca que ganhamos naquele natal? Ela existe até hoje!

A mamadeira, o paninho, o travesseiro, as noites nas casas das primas. As Barbies. Os sapatinhos das Barbies. Nosso moletom rosa. O Sítio do Picapau Amarelo, As Meninas Superpoderosas. O cochilo no carro na volta da praia, as conchinhas coletadas.

Lembra quando não havia preocupação com o futuro? Quando não havia pressão e lágrimas por problemas sérios? Lembra quando amar era só ficar vermelha ao ver o menininho e só nossa melhor amiga sabia o porquê da vergonha? Lembra quando as melhores festas eram aquelas que haviam saquinhos surpresa, bolão, brigadeiro, refrigerante e nossos primos e amigos todos juntos? Quando as fotos eram tiradas pra recordar momentos e guardar sentimentos?

É, minha pequena, todos os dentes já caíram. Já não há mais filhas loiras e choronas. Meus pés já tocam o chão quando sento no sofá e nossa mãe já não prepara mais meu lanche. Não tenho mais medo do escuro, às vezes ele até serve de refúgio. O casamento não chega nem perto e não tenho mais pinturas.

Mamãe não chora mais por apresentações e sim por algo que ela viu na televisão ou que alguém lhe disse. Papai se aproxima apenas para me cobrar dos estudos ou criticar algo que fiz de errado ou esqueci. A casinha de boneca está sem porta e empoeirada no quintal, sem Barbies morando nela.

A mamadeira e o paninho não existem mais e as noites nas casas das primas não são mais as mesmas. As Barbies foram doadas a alguém como você. Nosso moletom rosa ainda faz parte do meu guarda roupa, mesmo estando velho. Não há mais tempo para a televisão e os cochilos no carro na volta da praia nunca mais aconteceram. As conchinhas ficam apenas na areia.

O futuro agora é minha maior preocupação, mas enquanto papai tenta me empurrar pro caminho bem sucedido, eu não consigo parar de querer trabalhar no meu sonho. Hoje as lágrimas são por motivos mais sérios que xampu nos olhos. Amar envolve sofrimento, compromisso, dedicação e paciência e as pessoas já não veem pureza nisso. As festas não tem mais bolão nem saquinho surpresa, cerveja tomou lugar do refrigerante e os brigadeiros são oferecidos primeiro para os menores, por isso nem sempre sobra. Muitos primos e amigos se afastaram e agora raramente são vistos. Fotos são tiradas por banalidades e acabam sendo apagadas sem querer do computador e perdidas.

E agora não há mais inocência. Vejo muita sujeira e morro de saudades de você. Sei que ainda está viva em algum lugar dentro de mim. Só peço que nunca se vá. Nunca me deixe sozinha aqui, no mundo.


6 comentários:

  1. Sem dúvidas, pelo menos pra mim, esse é o seu melhor texto. =)

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  2. Que lindo, Yasmin.
    Fazia tempo que não lia os teus textos.
    Ficou primoroso! Você colocou muita verdade e muito sentimento... abriu-se, revelou-se.
    Parabéns!

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  3. Sigo você no Twitter, blog e Tumblr mesmo sem te conhecer, adoro ler tudo que tu excreve.

    Esse texto é fantástico. Parabéns!

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